Campeonato Brasileiro: Chegou a hora de rever a fórmula de disputa? - Parte 2



Na semana passada subi o primeiro post questionando se a atual fórmula de disputa do Campeonato Brasileiro é a melhor em termos mercadológicos, principalmente referente à atratividade dos jogos e ao aumento da média de público, independente do Flamengo estar com melhor desempenho.

Os pontos corridos foram introduzidos à partir do campeonato brasileiro de 2003 devido a vários argumentos, entre eles o de que os times que não disputavam os mata matas ficavam sem calendário a partir do final de outubro, além da questão da "injustiça" do oitavo colocado poder ser campeão. Com os pontos corridos estávamos fazendo o campeonato nos mesmos moldes das principais ligas de futebol da Europa.

A expectativa era de que, com os pontos corridos implementados, os tivessem calendário o ano todo e não teria mais a injustiça do oitavo colocado poder ser campeão. Por outro lado, o número de jogos sem interessa aumentaram, os elencos tiveram que ser inchados e com isso houve forte incremento nos custos dos elencos dos times.

Um ponto chave do sucesso desta fórmula de disputa é a venda de season tickets para toda a temporada. Os times europeus vendem cerca de 50% da sua capacidade via esse sistema, chegando a 70% em alguns casos. Comprando um season ticket o torcedor tem direito a ir a todos os jogos do seu time como mandante durante todo o campeonato. 

No Brasil este modelo de venda não foi implementado e a consequência foi a queda da média de público e o comportamento do torcedor permaneceu o mesmo das mesmas formas de disputa: quanto melhor o desempenho do time, maior o comparecimento aos jogos.

De acordo com o histórico estatístico dos pontos corridos:

  • Com um terço do campeonato jogado, quem não estiver entre os 10 primeiros está estatisticamente fora da disputa do título;

  • Com metade do campeonato jogado, quem não estiver entre os 7 primeiros está estatisticamente fora da disputa do título;

  • Com dois terços do campeonato jogado, quem não estiver entre os 4 primeiros está estatisticamente fora da disputa do título.

Como o brasileiro tem como costume cultural ir aos jogos quando seu time está "vivo na disputa", ou seja, quando o jogo é percebido que vale a pena, mercadologicamente a atual fórmula de disputa pode ser questionada.

Com base nesta introdução e dando continuidade ao desenvolvimento do raciocínio, o primeiro ponto que coloco em cheque a atual fórmula de disputa é a questão culturalNo livro "Marketing Esportivo: A reinvenção do esporte em busca de torcedores" (Rein, Kotler & Shields, 2006), os autores mencionam que os campeonatos devem contar uma história para serem atrativos. Para o público se identificar com a história do campeonato, fatores sócio culturais devem ser levados em conta.

Referente a questão cultural, a atual fórmula pode ser questionada principalmente pela realidade que o brasileiro vive no seu dia a dia. Os pontos corridos premia o time mais regular, que melhor se planejou, com maior e melhor elenco, mais justo. Por outro lado, o campeonato tem muitos jogos que despertam pouco interesse, sem grandes jogos marcantes, aqueles que ficam para a história, e o campeão é celebrado em jogos quase sem nenhuma emoção. 


O professor Eduardo Uchoa comenta que o instinto de justiça humano tem peculiaridades que a lógica dos pontos corridos ignora:

  • O valor dos acontecimentos depende do tempo, o mais recente vale mais do que o mais distante, o fim vale mais do que o começo. Esse conceito está entranhado em todo o nosso pensamento. É bastante natural para um torcedor aceitar que o resultado de um jogo final de um campeonato que termina em dezembro valha mais do que o de uma partida disputada em maio;

  • Não existe melhor forma de comparar duas coisas do que confrontando-as diretamente. Se o time A termina o returno alguns pontinhos na frente no time B, até aceitamos que A deve ser um pouco melhor do que B. Mas para ter certeza não seria nada mal colocá-los para disputar duas partidas de ida e volta com vantagem do empate para A;

  • Resultados obtidos em situações extremas são particularmente valiosos. Para saber quem realmente é o melhor é importante saber como uma equipe de futebol reage quando está em desvantagem no placar numa finalíssima ou como um tenista rebate uma bola sabendo que está defendendo um match point.

Os pontos corridos contrapõem a realidade cultural que o brasileiro convive no seu dia a dia, além das questões inerentes ao ser humano conforme o raciocínio acima citado. Na  vida real os altos e baixos são constantes, as chances de virada na vida sempre são esperadas, o sonho e a esperança sempre estão presentes, a injustiça, contradições e fortes emoções convivem diariamente com o povo brasileiro. 

Portanto, o que proponho com este ponto é questionar quanto um sistema de disputa em que o torcedor se identifique devido as questões culturais não seria mais atrativo mercadologicamente, aumento da média de público, trazendo mais emoções, gerando mais jogos históricos, produzindo heróis e ídolos.

O segundo ponto que coloco em chegue a atual fórmula de disputa é a escassez. Devido a questões sócio econômicas (salários, PIB), além da atratividade dos jogos, é bem provável que grande parte dos torcedores muitas vezes tenham que optar em quais jogos ele decida ir durante o campeonato. Desta forma, aumentam as probabilidades de redução da média de público nos jogos.

O questionamento é saber quanto uma redução do número de jogos no Campeonato Brasileiro, com mais partidas decisivas, emocionantes aumentaria a atratividade e o valor percebido por parte do torcedor.

O terceiro ponto de questionamento é o fator econômico. Existe uma percepção por parte de muitos torcedores que o Fair Play Financeiro (FPF) limitaria o desenvolvimento de times de menores orçamento, concentrando a disputa dos títulos entre os times com maiores recursos. 

O excelente analista Cesar Grafietti fez uma bela análise sobre esse tema, demonstrando que nos últimos 30 anos apenas 18% das vezes o campeão não foi um dos grandes entre as cinco principais ligas da Europa. A partir do implementação do FPF a porcentagem de times campeões fora da lista dos grandes caiu para 11%.

Fazendo a mesma análise utilizando os últimos 30 anos de Campeonato Brasileiro, apenas o Athlético foi campeão em 2001, entretanto, desde a implementação da atual fórmula de disputa, nenhum time fora dos doze times considerados grandes foi campeão brasileiro.  A concentração aumentou ainda mais, com apenas sete times dividindo os títulos nas dezesseis temporadas de pontos corridos. Portanto, com a implementação do FPF no Brasil não servirá de motivo para criticar possíveis dificuldades de times com menor orçamento de poderem disputar o título brasileiro com os maiores times do Brasil.

A atual fórmula de disputa exige que os times gastem mais com elencos devido ao número de jogos, alem de outros campeonatos da temporada, aumentando as chances de times com maiores orçamentos de poderem montarem maiores e melhores elencos. Os outros times considerados grandes, mesmo não tendo as mesmas condições financeiras, acabam gastando mais do que arrecadam para tentarem acompanhar os mais ricos. Essa situação praticamente condena os times com menores orçamentos como meros coadjuvantes, além de gastarem muito mais do que gastavam na Série B e muitas vezes com jogadores sem muito retorno técnico.

Estes gastos excessivos dos times menores não está trazendo grandes vantagens, pois nos últimos cinco anos, a média de times que sobem e são rebaixados no ano seguinte é de dois times por temporada. Esta situação muitas vezes reduz o nível técnico da série A com times que não estão a altura de disputá-lo de forma aceitável, aumentando o número de jogos com menor atratividade além de colocarem times da Série B com dificuldades financeiras que não teriam se disputassem a Série B.

Baseado nos três quesitos acima mencionados (cultural, escassez e econômico) no próximo post pretendo fazer algumas sugestões de mudanças na atual fórmula de disputa visando equalizar estes três pontos com sugestões que tornem o campeonato brasileiro mais atrativo em termos de interesse, disputas, emoções, nível técnico e aumento de publico, valorizando o produto e tornando-o mais atrativo inclusiva para outros países.


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Preto e Branco ou Colorido?

25 Frases do Gênio Johan Cruyff sobre Futebol

Chá de Cadeira - Chá de Sofá