Análise da precificação de ingressos da Copa América 2019
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Peru x Venezuela - Arena Grêmio 15/06/2019 |
Passada a primeira rodada da Copa
América 2019, o que mais se comentou não foi a bela vitória da Colômbia sobre a
Argentina, nem o bom jogo entre Paraguai e Qatar ou as goleadas de Uruguai e
Chile. O grande tema foi a baixa taxa de ocupação em dois terços dos jogos da
primeira rodada. Como resultado, a taxa de ocupação na primeira rodada da Copa
América 2019 é a mais baixa dos últimos 4 eventos, e a média de público é a
segunda mais baixa.
Segundo vários pesquisadores, o
principal apelo para assistir um evento esportivo pode ser a natureza única de
uma competição atlética. Eventos esportivos representam uma experiência finita
em que os resultados são desconhecidos antes do início da competição. Um evento
esportivo é uma experiência hedônica e o evento em si pode provocar nos
expectadores reações cognitivas e afetivas diversas em relação à performance do
atleta ou da equipe (Hirt, Zillmann, Erickson & Kennedy, 1992; Sloan,1989,
Wann & Branscombe, 1992).
Para Hansen e Gauthier (1989) as quatro categorias gerais
dos fatores que influenciam no comparecimento do consumidor no estádio podem
ser resumidas em: a) econômica, b) sócio
demográfica, d) atratividade do jogo, e d) as preferências individuais. Segundo
Boyd e Krehbiel
(2003),
os estudos sobre comparecimento aos estádios estão baseados nos aspectos
econômicos (salários, PIB, população) e os efeitos da promoção no
comparecimento do público no estádio em comparação às outras alternativas de entretenimento.
Existem vários fatores que
influenciam no processo de tomada de decisão do torcedor em ir ao estádio.
Fatores como horário das partidas, conveniência, a performance das equipes,
qualidade do estádio, o preço do ingresso, as condições climáticas, outras
alternativas de lazer entre outros, são
os fatores mais importantes que
influenciam na decisão do consumidor em comparecer ou não a um evento esportivo
(Hansen &
Gauthier, 1989; Wakfield & Sloan, 1995).
Partindo dos pressupostos acima, os
estudos sobre comparecimento aos estádios estão baseados nos aspectos
econômicos (salários, PIB, população) e os efeitos da promoção no
comparecimento do público no estádio.
Na tabela abaixo podemos observar
o salário mínimo e PIB per capta em dólar, dos quatro últimos países sede da
Copa América e também da França, último país sede da Euro (valores da época convertidos com a taxa do dólar do período em que foi disputado o torneio):
Seguindo o raciocínio, segue
abaixo os preços dos ingressos em dólar na fase de grupos em cada país sede:

OBS 1: Valores da época convertidos com a taxa do dólar do período em que foi disputado o torneio.
OBS 2 : Os preços da Copa América na Argentina foram baseados nos
jogos da Argentina e Brasil
OBS 3: Nos Estados Unidos haviam
estádios com 4 jogos e outros com 2. Foi tomado como preço médio do ingresso o
valor do pacote e dividido pelo número de jogos por estádio.
Podemos observar algumas
estratégias de precificação distintas:
- Na Argentina os preços dos jogos do país sede eram mais caros devido atratividade ser maior. Para os jogos do Brasil o preço era menor;
- No Chile houve estratégia similar: preços mais caros para jogos do Chile, Argentina e Brasil e preços menores para os demais jogos;
- Nos Estados Unidos não foi comercializado ingressos individuais pelo comitê organizador, apenas pacotes por estádio. Ingressos individuais forma comercializados posteriormente no mercado de revenda, um sistema regulado e muito como no país;
- No Brasil e França não houve diferenciação de preços para os jogos da fase de grupos.
Baseado nos itens acima e nos
preços de ingresso de cada evento, é possível perceber que a maior diferença
está nas entradas mais baratas, onde os ingressos da Copa América 2019 é o mais
caro entre todos. Comparando os preços dos jogos das demais seleções de 2015
com 2019, também há uma boa diferença.
Entrando mais diretamente na
situação encontrada após a primeira rodada da Copa América 2019, a primeira
análise é dividirmos o salário mínimo e o PIB per capta vigente na época de
cada torneio pelo preço do ingresso mais barato praticado em cada país sede. No
caso da edição dos Estados Unidos, foi utilizado o preço médio de cada partida:

Avaliando a tabela acima é
possível perceber que a relação Salário Mínimo e PIB Per Capta x Ingresso mais
barato na Copa América 2019 é a mais baixa entre todas as edições. Ao se
comparar apenas o salário mínimo, o brasileiro poderia comprar quase a metade
de ingressos do que um argentino, americano ou chileno. O francês poderia
comprar sete vezes mais ingressos com seu salário mínimo. Em média o preço do
ingresso mais barato variou de 2% a 6% do valor de um salário mínimo de
argentinos, americanos, chilenos e franceses para 12% na edição brasileira.
Em termos de PIB Per Capta a
situação se repetiu. O brasileiro poderia comprar metade de ingressos do que um
argentino ou chileno para ver a seleção do seu país jogar. Para os demais jogos,
o argentino e o americano poderiam comprar 3 vezes mais ingressos que o
brasileiro. O francês poderia comprar quase
cinco vezes mais ingressos.
Fica claro que, com base no PIB,
salário mínimo e outras situações econômicas, a precificação dos ingressos da
Copa América 2019 ficou muito fora do que dos nossos vizinhos Argentina e
Chile. Devido ao poder aquisitivo de americanos, estrangeiros residentes nos
Estados Unidos e dos franceses, a
estratégia adotada nesses dois países foi a mais adequada para o sucesso de
público.
Apenas como um exercício, caso
fosse adotada a mesma proporção de salário mínimo x ingresso da Argentina e do
Chile na edição de 2019, o valor do
ingresso mais barato seria algo em torno de R$ 70,00. Se adotada precificação
diferenciada para jogos de outras seleções,
o ingresso mais barato poderia ser de R$ 60,00. Valores bem mais
acessíveis e compatíveis com a realidade
da grande maioria da população brasileira.
Como consequência, de acordo com a reportagem do jornal O Globo, o resultado
após a primeira rodada em das últimas quatro edições da Copa América é o seguinte:
Quando mais público nos estádios, maior é a percepção de valor por parte do torcedor. Ir a um jogo em que todos os ingressos estão esgotados faz com que o torcedor se sinta parte de um grupo especial (Melnick, 1993). Por outro lado, quando o estádio tem vários espaços vazios, essa identificação fica minada, pois fica a percepção de que ir ao estádio para não seja algo importante (Charlestone, 2008).
Quando mais público nos estádios, maior é a percepção de valor por parte do torcedor. Ir a um jogo em que todos os ingressos estão esgotados faz com que o torcedor se sinta parte de um grupo especial (Melnick, 1993). Por outro lado, quando o estádio tem vários espaços vazios, essa identificação fica minada, pois fica a percepção de que ir ao estádio para não seja algo importante (Charlestone, 2008).
Provavelmente os responsáveis do
Comitê Organizador Local para precificar os ingressos, bem como a Conmebol,
detentora dos direitos do evento, provavelmente não fizeram uma análise mais
detalhada para determinar a precificação dos ingressos e a consequência está
sendo televisionada para o mundo inteiro, arenas vazias, que afetam a qualidade
do produto ofertado, além de todo o clima do jogo, que afeta o desempenho/
motivação dos jogadores.
Vencer um oponente de qualidade,
percebido como um temido e respeitado adversário, aumenta o sentimento de
prazer do torcedor, fazendo com que ele volte novamente ao estádio (Madrigal, 1995). A questão relacionada à
maior presença de público nos jogos de maior rivalidade pode estar baseada na
incerteza do resultado, transformando tanto o jogo como o próprio campeonato
mais excitante para o torcedor, fazendo com que o produto seja percebido com
alto valor de entretenimento (Whitney, 1988).
Conforme citações acima, o
aumento de público em jogos eliminatórios é esperado pois a incerteza do
resultado, rivalidades, times mais fortes acabam gerando atratividade natural.
Esse fenômeno já é conhecido e é muito comum no torcedor brasileiro e
sul americano
Existe ciência na precificação,
como em várias áreas de gestão e marketing esportivo, estudos sobre o tema são
fartos e começaram a ser efetuadas há quase 30 anos. A necessidade é mais do que
urgente em mudar o atual cenário, pois a cada evento estamos observando o
aumento da qualidade do produto ofertado na América do Sul em comparação aos
centros esportivos mais desenvolvidos do mundo.
Texto publicado originalmente no blog THE360
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