O verdadeiro 7 x 1 é fora de campo



Após a eliminação da Alemanha na fase grupos da Copa do Mundo de 2018 começaram a surgir vários questionamentos nas mídias sociais e na TV se a valorização do futebol alemão até agora seria válida ou não.

Quem tem uma visão resultadista provavelmente adorou a eliminação, criticou a exaltação da Alemanha dos últimos anos, mandou memes, cantou a versão do "Bela Tchau" para os alemães e até questionou se o que os tetracampeões fizeram em 2014 foi realmente merecedor ou apenas coincidência.

Par quem tem uma visão mais ampla de gestão e estratégia provavelmente não caiu no embalo da turma do oba oba e, pelo contrário, até lamentou a precoce eliminação alemã. Para entender a questão campo do resultado obtido pelos alemães em 2018, recomendo a excelente análise do Leonardo Miranda.

Referente a questão da gestão e da estratégia de como o produto futebol é gerido pela federação e pela liga alemã, o 7 x 1 fora de campo continuará imperando por muito tempo caso a visão resultadista e limitada ainda permanecer viva no futebol brasileiro.

Para alinhar claramente o raciocínio, o produto futebol não é composto apenas pelo quesito campo (jogadores, times, seleção nacional) mas sim por todo o ambiente que faz parte do produto como: campeonatos, qualidade dos estádios, público nos estádios, merchandising, direitos de transmissão nacional e internacional, reconhecimento internacional das principais marcas e jogadores da liga, faturamento, direitos de TV, patrocínio entre outros.

Dentro desses parâmetros, no quesito campo o valor de mercado dos jogadores da seleção brasileira é o terceiro mais valioso (Euros 981  milhões) enquanto os jogadores da seleção alemã valem (Euro 883 milhões) segundo o site Transfermarkt. Neste quesito o Brasil ganha, como também ser a seleção que tem cinco títulos mundiais e os alemães quatro, além disso, nesta copa o Brasil vai terminar com uma campanha melhor que os alemães.

Para os resultadistas os dados acima pode ser suficiente para desmerecer, desqualificar, desconstruir o que a Alemanha efetuou em termos de planejamento e gestão desde o início dos anos 2000. Para quem enxerga o futebol além das quatro linhas, provavelmente não irão colocar em xeque todo o trabalho executado pelos alemães. 

Quando se observa o faturamento da liga alemã e brasileira, a diferença começa a ficar gritante.  A Bundesliga faturou Euro 3,35 bilhões na temporada 2017/2018, enquanto o Brasileirão faturou Euro 1,25 milhões na última temporada. Os alemães conseguem faturamento 2,7 vezes superior mesmo com uma população 2,5 menor que o Brasil. 

A Bundesliga tem uma das maiores médias de público do mundo. A temporada 17/18 terminou com média em torno de 44 mil pagantes/jogo, praticamente o triplo de pagantes com comparação ao Brasileirão, que tem média em torno de 15 mil pagantes/jogo. A taxa de ocupação nos estádios alemães é de quase 100% enquanto no Brasil a taxa é de 40%.

Muitos podem questionar a questão do poder aquisitivo dos alemães, mas, visando aprofundar o debate, este estudo do Rodrigo Capelo demonstra quantas horas o brasileiro que ganha salário mínimo precisa trabalhar para comprar um ingresso em comparação aos alemães. 

Os alemães fazem do produto futebol um atrativo para todos os públicos, buscando sempre melhorar e atrair mais torcedores para os jogos e fãs ao redor do mundo. O nível técnico da Bundesliga evoluiu bastante, os jogos ficaram melhores, as equipes são geridas com visão profissional, com grande parte dos times tendo 49% das ações em mãos de empresas, o rigor com as despesas x receitas é muito alto, o foco é no torcedor e no evento.

Por outro lado, no Brasil não há um trabalho em conjunto para melhorar o produto ofertado. Continuamos focados no jogador, com os times buscando encontrar a cada ano um potencial jogador para ser vendido visando pagar as contas. O nível técnico da grande maioria dos jogos é baixo, as equipes continuam sendo geridas com visão política. Ainda estamos engatinhando com o licenciamento e com o equilíbrio financeiro.

O Brasil teve a primeira liga profissional do futebol mundial, o Clube dos Treze, antes de qualquer liga europeia. Nos anos 90 o Palmeiras faturava muito mais que o Manchester United. Temos uma população que adora futebol, tem enorme potencial para consumir o produto de várias formas, continuamos a revelar jogadores de nível mundial, mas ainda continuamos com a visão resultadista com foco muito maior no campo no que produto futebol como um todo.

No dia 16 de julho a Copa do Mundo já terá terminado e em 30 dias os alemães voltarão a ver jogos com muitos jogadores que participaram da Copa, com estádios que possuem a mesma atmosfera de uma Copa, com nível técnico muito similar. Enquanto no Brasil, sendo hexacampeão ou não, teremos que esperar mais quatro anos para poder ter as mesmas experiências dos alemães.

Podemos ser hexacampeão na Rússia porque dentro de campo há uma ótima geração de jogadores e um excelente trabalho da comissão técnica, mas uma conquista da Copa do Mundo não pode encobrir o enorme potencial desperdiçado para poder transformar o país do jogador de futebol em um dos maiores países do produto futebol.

O 7 x 1 fora de campo ainda está longe de ser alcançado pelos brasileiros.







Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Balanço Primeiro Turno Brasileirão 2012

O consumo per capita das maiores torcidas do Brasil

Preto e Branco ou Colorido?