Ensaio sobre a cegueira


Ensaio sobre a cegueira é uma das melhores obras do grande José Saramago. A  cegueira começa num único homem, durante a sua rotina habitual. Quando está sentado em seu carro no semáforo, este homem tem um ataque de cegueira, e é aí, com as pessoas que correm em seu socorro que uma cadeia sucessiva de cegueira se forma.

A força da epidemia não diminui com as atitudes tomadas pelo governo e depressa o mundo se torna cego, onde apenas uma mulher, misteriosa e secretamente manterá a sua visão, enfrentando todos os horrores que serão causados, presenciando visualmente todos os sentimentos que se desenrolam na obra: poder, obediência, ganância, carinho, desejo, vergonha; dominadores, dominados, subjugadores e subjugados.

Os fatos que vimos no futebol brasileiro durante a última semana me remeteram à obra de Saramago.

No domingo passado tivemos mais uma morte em briga entre torcedores de Santos e Corinthians há dezenas de quilômetros do Pacaembu, em jogo de torcida única. Prova de que as medidas tomadas pela polícia e pelo ministério público continuam prejudicando o espetáculo e não atacando as causas.

Após o clássico entre Palmeiras e São Paulo, tivemos a demissão do treinador são paulino, saindo como vítima de um processo que se inicia com a saída dos dois principais jogadores do ano passado, Hernanes e Pratto. Além disso os times de São Paulo tiveram apenas 12 dias de pré temporada, onde o mínimo para um bom preparo deveria ser de trinta dias.

A diretoria tricolor trouxe jogadores que não foram pedidos pelo treinador, que havia pedido atacantes rápidos. Ao invés de atenderem aos pedidos do treinador vieram jogadores de nome, mas em final de carreira, totalmente fora do perfil solicitado pelo treinador. 

O Campeonato Paulista começou e o time tricolor jogou duas vezes por semana em 90% das semanas da temporada até o momento.

Um time que acabou o ano claramente com fragilidades e começou o ano mais fraco, com pouquíssimo tempo de treinamento, com jogadores fora do perfil solicitado pelo treinador e sem semanas livres para aprimoramento e a culpa é toda colocada no treinador? Qual a responsabilidade de todos os gestores envolvidos no processo?

Este post que fiz no ano passado ilustra bem a situação são paulina, e que vai se repetir durante o ano em outros times brasileiros.
Os anacrônicos estaduais têm servido para dois fatos recorrentes, carregar o calendário com jogos sem apelo e que atrapalham a preparação dos times para os campeonatos que realmente importam para os torcedores, além de gerar crises desnecessárias em times que passam por instabilidades por estarem em fase de montagem de modelo de jogo.

Comparo os estaduais com a Hora do Brasil, pois ambos foram criados e tiveram sua importância no passado e que agora não fazem nenhuma diferença para a população brasileira se torando algo quase irrelevante tanto para os ouvintes como os torcedores.

Para finalizar a semana, tivemos mais uma vez o jogo politico de interesses para manter o status quo do poder na CBF, onde mais uma vez se mostra o principal motivo da manutenção dos moribundos estaduais.

Desta forma vemos a cada ano os campeonatos internacionais e os grandes times globais invadindo o mercado brasileiro de forma cada vez mais intensa, enquanto o destino do futebol brasileiro é decido em um salão de hotel sem a presença dos clubes brasileiros, os grandes protagonistas do futebol brasileiro.

Apenas por não estar ocorrendo brigas ao redor dos estádios é não querer enxergar e atacar as suas raízes cada vez mais fortes da violência urbana.

Demitir treinador com dois meses de temporada é não enxergar que faltam projetos de longo prazo, onde o foco nas vitórias a qualquer custo, independente da qualidade do jogo, apenas para evitar pressões internas de grupos políticos e dos torcedores.

Manter um colégio eleitoral anti democrático como na CBF por parte dos clubes e federações é trocar o protagonismo dos verdadeiros responsáveis pelo futebol por mesadas e cotas de TV, onde parece que todos ficaram cegos apenas pelo poder e interesses financeiros.

Por fim, andar pelas ruas das grandes cidades e ver cada vez mais garotos com camisas de times estrangeiros é não querer enxergar que a cada ano as novas gerações estão cada vez menos consumindo o futebol brasileiro e cada vez mais os jogos, campeonatos e ídolos de outras nacionalidades.

Como na obra de Saramago, quando toda a população ficou cega por causa da epidemia, os cegos começaram a ter poder sobre todos, e os de má índole se aproveitaram da situação para agirem de acordo com seus interesses, conseguindo dominar demais cidadãos. 

“Por que foi que cegamos, não sei, talvez um dia se chegue a conhecer a razão, Queres que te diga o que penso, diz, penso que não cegamos, penso que estamos cegos, cegos que veem, cegos que, vendo, não veem”.
Ensaio sobre a cegueira - José Saramago







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