A Sexta Coroa



Muitos Palmeirenses mais jovens acabam descobrindo as histórias das conquistas do nosso amado time através dos livros, revistas, internet, principalmente aqueles cujos pais não são Palmeirenses ou não sejam praticantes ( uma minoria em nosso caso).

Já os mais rodados pela idade ou da linhagem "old school" foram forjados em sangue verde desde o embrião. Eu e meus irmãos tivemos esse privilégio. Nosso sangue verde já percorria nossos embriões. Mesmo antes de nascer já sentíamos o que era ser Palmeirense.

Quando a gente nasceu o Palmeiras fez parte das nossas vidas em todos os momentos.Fomos batizados Palmeirenses através do sangue verde e branco muito antes do batismo religioso.

O meu velho pai deveria estar ansioso para chegarmos a idade onde ele poderia passar para nós o que era o Palmeiras, quanto ele amava esse time, contar as histórias, conquistas, as poucas derrotas. Aos 6 anos de idade recebi o batismo no estádio num Palmeiras 2 x 1 São Paulo no Morumbi, "gols de Nei e Fedato", eu repetia como um mantra sempre que me perguntavam qual foi a minha primeira vez.

E foi num  longínquo 1976 que meu pai me contou a história das 5 coroas (2 Taças Cidade de São Paulo, 1 Paulista, 1 Rio São Paulo e 1 Mundial) uma conquista que nenhum rival chegou perto. Foram anos e anos que o velho Ary não cansava de repetir que ele, naquela época com 14 anos, foi até Campinas assistir ao primeiro jogo do Campeão Mundial contra a Ponte Preta, " e o Palmeiras perdeu!" ele enfatizava.

Desde os 7  anos de idade eu já sabia que meu time era Campeão do Mundo, algo que nossos rivais só saberiam o sabor anos e anos depois. O amor do meu pai por aquele time, que ele escalava de ponta a ponta, foi a maior emoção dele com o Palmeiras. Era falar daquela conquista que o calmo e sereno pai se alterava. Seus olhos brilhavam, seus punhos cerravam, seu rosto corava, seu semblante se iluminava, sua voz ficava mais forte. Era o Palmeiras de 51, das 5 coroas que fazia aquele pai sério e responsável ser criança novamente.

Naqueles momentos, mais tarde compartilhados em uma mesa com um bom whisky ou um vinho tinto, acompanhado com a sardella da Mama Paciello, que o amor que compartilhávamos pelo Palmeiras era enaltecido e reforçado. 

Num desses encontros eu o presenteei com uma réplica da camisa de 1951. Ele não sabia o que estava embrulhado naquela pacote. Fiquei observando cada movimento dele. Desde o primeiro durex que ele retirou cuidadosamente. Aos poucos o verde escuro daquele manto sagrado ia se revelando, juntamente com um leve sorriso em seus olhos.  

Quando aquele P enorme se revelou em sua frente, quem estava lá não era o velho Ary de 64 anos, mas sim aquele garoto de 14 anos que vibrava com o Primeiro Campeão Mundial. Seus olhos se encheram de lágrimas e ,num gesto de amor, ele beijou apaixonadamente aquele símbolo sagrado. Como que numa mesma conexão, fui ao seu encontro também em lágrimas abraçá-lo, invertendo a ordem, como eu sendo o pai presenteando ao filho. Na verdade era uma retribuição por tudo o que ele nos ensinou.

Chegaram os anos 2000,  uma década difícil para o Palmeiras e para meu velho. Um câncer veio para abalar as estruturas da família, mas nosso amor pelo Palmeiras era inabalável, pois sempre trocávamos lamentos pela má fase do Palmeiras, mas também compartilhávamos de uma esperança que sempre os Palmeirenses trazem consigo.

Seis anos se passaram e a sua batalha continuava, com muitas vitórias, mas sempre com uma guerra ainda a vencer. Uma recaída no final de 2006 o levou para a UTI, ele entrou em coma, mas como ele era muito forte, ele conseguiu sair do coma, como o Palmeiras que lutava para se reerguer após a tragédia de 2002. 

Em várias conversas na UTI ele perguntava quais eram as novidades do Palmeiras para 2007, as contratações que estavam sendo cogitadas. Cheguei até a comprar um radinho de pilha para ele acompanhar as notícias, mas sua fé em sair dali era tão grande que ele recusou, esperando que logo estaria em casa.

Eis que chegou janeiro de 2007 e aquela guerra estava dificílima até que ele não aguentou mais e perdeu a batalha final. Um pedaço de mim foi arrancado naquele dia, e que nunca mais irá voltar, mas na hora do seu enterro, como parte de uma ligação mais forte que qualquer outra em nossas vidas, aquela camisa das Cinco Coroas, do Campão Mundial, do beijo apaixonado foi com ele para sempre. Para mim a sexta coroa estava consumada.

O Campeão Mundial de 1951 sempre esteve presente em nossas vidas, as histórias que ele nunca cansava de repetir estão vivas e iremos levar adiante para nossos sobrinhos, filhos, afilhados. A história de amor do velho Ary pelo Palmeiras e pela sua família sempre será relembrada, e aquele beijo nunca mais será esquecido, e sempre será relembrado, como um elo eterno de amor da nossa família pelo Primeiro Campeão Mundial da história.

Para mim e meus irmãos o título Mundial de 1951 é a maior ligação de amor pelo Palmeiras com nosso pai. Em homenagem ao velho Ary e ao nosso amado Palmeiras estarei envergando a mesma camisa de 51 nesse domingo no Allianz Parque. 

Obrigado Pai por tudo que o senhor nos ensinou, e uma das lições que aprendemos com louvor foi o amor pelo Palmeiras.




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